segunda-feira, 25 de junho de 2012

Devorai-me, Esfinge!

Um mistério compele você a decifrá-lo. O mistério brinca com você, aviva o fogo da sua curiosidade e acorda a sua mente.

Ele entra em você e clama pela sua atenção, sem nem mover-se.
Ele pode ficar ali, parado. Olhando ao horizonte, sem nem notar-te. Mas ele sabe que o tocou, que sopra curiosidade, medo, emoção e excitação na brasa que recusa-se a morrer.



Te atrai e retrai, impelindo, puxando, seduzindo com cada movimento. Gracioso, felino, inebriante.




Te envolve cada vez mais numa dança de palavras e olhares.

Quando você menos espera, a Esfinge já começa a tomar posse de você. E você deixa, quer ser tomado, quer decifrar mais desse enigma, quer brincar com o emaranhado de palavras que ela joga em você. Imponente, ela age simples, descomplicada, aberta, quase vulnerável, mas não o é. É esculpida na pedra, mas não a é. É feita de fogo, que aquece a charada, distorcendo-se da espiral irracional que envolveu-o no início, como o abraço de uma serpente, serpente metálica, escura, cravejada de pedras, de abraço letal e mordida doce.

Molda-se, transforma-se, está em nenhum lugar e em todo o lugar. Sem nem tentar, sem nem mover-se, brinca com você, dança à sua volta como o o fogo que se alastra, tão quente quanto o que queima dentro dela.


E que incendeia você.




O mistério te atrai tanto que quando ele o tiver onde quer, sua alcova será tua doce sepultura, pois aos encantos do mistério, da Esfinge, da charada... você não vai sobreviver. Entrelaçados no abraço mortal, enfeitiçado e feitiço irão sucumbir... E o Tempo vira mero detalhe.
Sepultura, não de morte... de entrega. De reinício? Só a solução da Esfinge dirá.

Decifre-a ou ela te devora.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Canção Branca

Veja você. Mal comecei a arrumar a Livraria novamente e achei outro texto dentre as caixas de meu avô.

Me é completamente desconhecido como ele descobria e adquiria esses textos pelo mundo. E dessa vez creio ter achado uma raridade, mas parece estar bem bagunçada. Não encontro o começo, mas achei algumas páginas que me interessaram. Elas contam assim...



"[...]A tarde avança rápida e também Lord Uhtred. Correndo contra o tempo, Uhtred duela contra o cansaço, digladia com o medo e aposta corrida contra o Sol, contra o Inverno. Quem alcançará o horizonte primeiro? Por mais que Uhtred Lothbrokson esforce sua montaria, esta não responde mais. Cavalga a plenos pulmões. Ambos estão exaustos, correndo atrás de um Sol que insiste em fugir. Assim como fogem dos cavaleiros.

Uhtred está tão cansado que mal consegue lembrar como tudo aconteceu. Quantos eram, quem atacou primeiro, quem caiu primeiro? Está tudo tão confuso!

Sceadugenga, seu cavalo, não suporta mais. Uhtred desmonta e afivela suas espadas. Arauta-dos-Corvos, sua espada Bastarda à esquerda e Língua-de-Lobo, uma espada curta, do outro lado. Veste pouca armadura. Apenas uma ombreira no braço do escudo e manoplas de aço, que ele desafivela e deixa cair aos pés de Sceadugenga. Apenas calças e colete de couro batido e enegrecido pelo tempo o protegem dos cavaleiros que o perseguem. E estes já saíram das árvores. A planície gira ao redor de Uhtred. Cansado, confuso, perturbado.

Mal se lembra do porque foge, então aos diabos! com isso tudo. Esperará e lutará por sua vida. Que venham, inferno! Se morrerá, que morra com espada na mão, lutando e cortando. "Perderei para o inimigo, não para o medo!"


Espantados com a visão de Lord Uhtred Lothbrokson da Nortúmbria parado no topo da planície, desmontado e com espadas no cinto, os cavaleiros desaceleram e param a quinze metros do guerreiro cansado, cavaleiros nobres sacam espadas, arqueiros puxam suas cordas, cavalos relincham inquietos com a tensão que paralisa o próprio vento cálido do Sul da Inglaterra. O suor pinga de sua fronte em pleno inverno. Seus cabelos negros e curtos, bagunçados pelo elmo que há muito perdeu na fuga, caem sobre o rosto até a linha dos olhos banhados de um azul profundo que inspira confiança e selvageria. A face marcada de batalhas já fora bonita em tempos melhores mas agora apenas revela a história da Nortúmbria em relevo vivo, pulsante, sofrido mas sobrevivente. O rosto largo e forte demonstra cansaço destilado em confusão e força bruta. Os membros retesados da viagem dão um ar de grande força a Uhtred, mesmo que não seja mais tão jovem. Alto e forte por fora e quebrado por dentro, o Lord da Nortúmbria, Senhor de Bebbanburgh, e Guardião do Leste chama seus algozes para a morte.

Guerreiros são criaturas sombrias. Flertam com a morte em muitas ocasiões, brincam sobre a lâmina da Foice Ceifadora que é afiada demais para não marcar quem passa muito perto. Ninguém flerta com a Morte assim e fica imaculado.

"Matem ou morram", brada Uhtred. "Desçam dos seus cavalos e enfrentem-me! São oito e eu um. Venham da maneira que quiserem, mas venham para me matar ou Arauta-dos-Corvos beberá sangue antes que o sol se ponha!"

O desafio de Uhtred foi uma tentativa de levantar seu espírito para a batalha, uma última tentativa desesperada de resgatar o que restava de sua força. Não adiantou. Continua quebrado e fraco. A mera ideia de levantar sua espada o cansa agora. "Odin, termine logo com isso. Matem-me e alimentem os corvos", pensou Uhtred.


"NÃO!!" gritou consigo mesmo, mentalmente. "Você não vai se entregar, seu velho! VELHO! Levante essa porra de espada e aja como um maldito HOMEM! Você não pode viver no medo! O medo vai cortá-lo mais do que essas espadas, velho idiota!" Uhtred tira Arauta-dos Corvos da bainha que ressoa lindamente, uma música quase serena antes da tempestade que aproxima. "Se você morrer, morrerá lutando, espada na mão! Não ouse morrer assim! Não ouse morrer, velho estúpido!"

E a primeira espada vem de encontro com a sua...

[...]"

E é até onde essas páginas vão. Não consigo encontrar as restantes. Ali, aquela caixa, veja se está nela, sim? Atrás de você, no balcão, essa mesma.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A poeira sobre a estática do esquecimento...

Quanta poeira!!

Essa livraria ficou fechada por muito tempo! Tempo demais, eu diria.

E os livros aqui... estáticos, adormecidos, inertes. Mas não sem vida... Apenas dormentes. Um livro e sua história fica paralisado no tempo, quase esquecido! Até que uma alma o encontra e abre a capa de couro, puída, sofrida, castigada pelo esquecimento. A alma e o livro iniciam uma dança de troca, de dar e receber, tão intensa, tão carregada... O livro, a partir daquele momento que uma alma o libertou... está mudado.

Assim como quem o leu.


Nunca serão os mesmos.


O livro perdeu um pedaço de si, doou tanto a essa nova alma, entregou-se de coração... e levou um pedaço para si.
O leitor perdeu uma fração da sua alma, do seu coração, da sua força... e aprendeu com isso, cresceu, acrescentou, renasceu.

Enquanto o livro viver dentro daquele leitor, ele jamais será esquecido, jamais deixará de viver, nunca mais ficará inerte esperando outro leitor, outro coração que o incendeie novamente.

Só é esquecido aquele que não deixa sua marca.

Essa loja ficou tanto tempo parada, tanto tempo fechada, nenhum freguês, nenhum leitor... a leitora já aventura-se em outras histórias agora, outros livros terão o prazer de serem lidos por ela.

Assim como o escritor agora rabisca em outros papéis, com outras capas, outras histórias, outros amores, aventuras, mistérios... Livro, leitora e escritor cresceram, acrescentaram, trocaram e seguiram. E agora a história nunca será esquecida. Essa história será contada, mesmo que secretamente, dentro de cada uma das contrapartes, para sempre! Porque deixou sua marca...


Agora que a Livraria está aberta novamente, entre, Pequenina... brinque com as histórias, escolha um deles e adote-o. Guarde no coração e não deixe-o ser esquecido.
Garanto que essa livraria nunca mais há de fechar.



Pelo menos, não enquanto eu lembrar dela.

Daniel Sempere,
Comiat